Segundo Zottis, a nova lei poderá impactar as ações de improbidade administrativa em andamento.
A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 10.887/2018, que traz alterações na Lei de Improbidade Administrativa (8.429/1992). A principal mudança é a punição apenas para aqueles que agirem com dolo, ou seja, com a intenção de lesar a administração pública. Na lei até agora em vigência, os casos em que o agente agia de forma culposa também eram considerados atos de improbidade. O PL segue, agora, para a apreciação do Senado Federal.
A improbidade administrativa são atos praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração pública. Os casos mais comuns são aqueles em que o gestor ganha qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo que ocupa, e os atos causam qualquer tipo de dano ao erário.
Buscando entender as principais mudanças a respeito do assunto, o Jornal da Lei entrevistou Rafael Zottis, advogado sócio do escritório Marcos Eberhardt Advogados e mestre em Ciências Criminais pela Pucrs.
Jornal da Lei – O que antes se entendia como improbidade administrativa e o que passa a ser entendido com a nova lei?
Rafael Zottis – São dois pontos fulcrais. Primeiro, a legislação que hoje está em vigência não faz, de maneira expressa, a exigência da presença de dolo por parte do agente público – ou do cidadão que interage com a administração – para que sua conduta possa ser considerada um ato de improbidade. Assim, se promulgado nos moldes em que foi aprovado no substitutivo ao Projeto de Lei 10.887/2018 pela Câmara, o novo texto deixa claro que as sanções deverão ser direcionadas aos que praticam atos por desonestidade, e não àqueles que provocam danos ao erário público por mera incapacidade, ineficiência ou inabilidade. Em segundo, de acordo com o novo texto legal, na hipótese de determinada pessoa jurídica praticar ato de improbidade, os seus sócios, cotistas, e demais colaboradores só poderão ser responsabilizados se houver comprovada participação e obtenção de benefícios diretos dessas irregularidades, o que até então é um filtro que cabe ao Poder Judiciário realizar quando julga as ações de improbidade. Na prática, a tendência é que haverá considerável redução daqueles casos em que o cidadão investigado ou que responde a processo, permanece longos anos se defendendo até chegar a um pronunciamento judicial que o absolva.
Rafael Zottis – São dois pontos fulcrais. Primeiro, a legislação que hoje está em vigência não faz, de maneira expressa, a exigência da presença de dolo por parte do agente público – ou do cidadão que interage com a administração – para que sua conduta possa ser considerada um ato de improbidade. Assim, se promulgado nos moldes em que foi aprovado no substitutivo ao Projeto de Lei 10.887/2018 pela Câmara, o novo texto deixa claro que as sanções deverão ser direcionadas aos que praticam atos por desonestidade, e não àqueles que provocam danos ao erário público por mera incapacidade, ineficiência ou inabilidade. Em segundo, de acordo com o novo texto legal, na hipótese de determinada pessoa jurídica praticar ato de improbidade, os seus sócios, cotistas, e demais colaboradores só poderão ser responsabilizados se houver comprovada participação e obtenção de benefícios diretos dessas irregularidades, o que até então é um filtro que cabe ao Poder Judiciário realizar quando julga as ações de improbidade. Na prática, a tendência é que haverá considerável redução daqueles casos em que o cidadão investigado ou que responde a processo, permanece longos anos se defendendo até chegar a um pronunciamento judicial que o absolva.
JL – A principal mudança do texto diz respeito à necessidade de dolo. Como isso se dá de forma prática e por que houve essa mudança?
Zottis – O agente público que por inabilidade acabar provocando algum dano ao erário no cumprimento de suas atribuições, como, por exemplo, na contratação de um prestador de serviços que não desenvolve com eficiência o trabalho pelo qual foi contratado, não estará incorrendo na prática de um ato ímprobo. Para que haja o enquadramento pela nova legislação de improbidade, terá de ser demonstrado que o gestor possuía a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito. A lei passará, então, a conferir, de forma objetiva, tratamento diferenciado entre quem pratica determinada conduta com a intenção de provocar dano ao erário ou enriquecer ilicitamente daquele que, por desconhecimento ou erro, comete ato que gere prejuízo aos cofres públicos. Essa necessidade de comprovação do dolo vem sofrendo uma série de críticas, no entanto, o projeto de lei, neste ponto, vai ao encontro do que os Tribunais Superiores vem decidindo, ao interpretarem que o destinatário das sanções previstas na lei atualmente em vigência é aquele administrador desonesto, e não o inapto.
JL – Qual o reflexo dessa mudança?
Zottis – Certamente a principal será a segurança jurídica que a nova legislação trará ao gestor honesto para que possa propor as políticas públicas que entender mais adequadas no exercício de seu mandato. O mesmo ocorrerá em relação ao empresário idôneo, seja pessoa física ou jurídica, que se relaciona com o poder público como fornecedor ou prestador de serviços. Esse empresário, que atualmente acaba sendo processado juntamente como agente público, muitas vezes por práticas de irregularidades da própria administração, que sequer teria como ter ciência, também não poderá ser punido, caso não comprovada sua participação intencional em determinada situação de prejuízo ao erário. Acredito que a legislação que temos hoje, ao não realizar a distinção entre o agir doloso e o agir culposo, acaba inibindo o bom gestor, que fica receoso em tomar decisões e propor projetos que poderiam trazer benefícios à sua comunidade, mas que mais adiante poderão ter alguma reprovação quanto às contas ou à própria eficiência, colocando-o na condição de investigado ou processado por ato de improbidade. Com o novo texto, beneficiam-se aqueles cuja vontade sempre foi de agir com lisura e retidão em relação ao patrimônio público, e não se valer deste para enriquecer ilicitamente.
JL – A lei pode impactar ações em andamento?
Zottis – Sim, deverá impactar. As ações civis públicas por ato de improbidade administrativa estão vinculadas à área do Direito Administrativo sancionador. Embora a Lei de Improbidade não tipifique crimes e nem preveja punições relacionadas à liberdade do cidadão, mas sim sanções de cunho administrativo e civil, esta é, inegavelmente, uma lei que confere ao Estado o poder de punir. Dessa forma, não é incomum observarmos nos tribunais a adoção de princípios que norteiam o Direito Penal também no campo do Direito Administrativo sancionatório, objetivando preservar as garantias mais basilares do acusado. Entre esses princípios, podemos destacar aquele previsto em nossa Constituição Federal, que dispõe que a lei penal não retroagirá, salvo se em benefício ao réu. Ou seja, as investigações ou processos por ato de improbidade que atualmente estão em andamento poderão sofrer a incidência dessa alteração legislativa em decorrência de sua natureza híbrida, material e processual, gerando um grande impacto em alguns casos, como por exemplo, naqueles em que não está comprovado, e muitas vezes sequer descrito na narrativa acusatória, a vontade livre e consciente de alcançar um resultado ilícito.
JL – Críticos ao PL veem uma perspectiva do enfraquecimento do combate à corrupção por conta dessa mudança. Como o senhor enxerga isso?
Zottis – Acredito que a impunidade não está contemplada no espírito da nova lei. Ao especificar de forma mais clara e taxativa quais são as condutas que efetivamente serão caracterizadas como um ato de improbidade, os espaços para interpretações divergentes diminuem, o que acaba por mitigar, até mesmo, a possibilidade da utilização de tão importante instrumento legislativo para fins de disputas eleitorais. Não parece haver a pretensão de gerar impunidade, mas sim de agregar maior segurança jurídica e eficiência à gestão pública.
Por: Rafael Zottis
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